quinta-feira, 21 de abril de 2011

CASO JOHN GALLIANO

Dior/ Fall 2011 - Divulgação
Ainda Galliano
O caso do estilista John Galliano está apenas começando. Condenado pela opinião pública por suas declarações antissemitas, o icônico EX diretor criativo da Maison Dior - posto que ocupou por 15 anos - será julgado, desta vez pelos tribunais franceses, no dia 12 de Maio. Conhecida por punir legalmente ofensas antissemitas, a França de Vichy prendeu, extraditou e deportou judeus que se opunham ao regime nazista para campos de concentração alemães em 1940. Para o país fica a questão de não querer ser lembrado do seu histórico nada favorável. Para a Maison Dior a questão é puramente econômica. O grupo Möet Henessy Louis Vuitton (LVMH)- que detem as marcas Dior e Galliano - e que faturou no ano passado 29 bilhões de dólares, demitir seu diretor criativo é uma equação possível: demissão + pedido público de desculpas = fim do mal-estar. E para a moda, como fica?
Na última semana de moda de Paris - se não em corpo, pelo menos em alma - o estilista esteve lá. A coleção Fall 2011 da Dior marcou o fim da era Galliano com botas de cano altíssimos, muita pele em golas e punhos, chapéus, laços e rendas numa estética fetichista bem feminina a la Galliano.
Quanto a marca homônima, seu futuro é incerto.


Dior/ Fall 2011 - Divulgação
Ainda Galliano




terça-feira, 12 de abril de 2011

A Arte de Experimentar


Alguns estilistas subvertem a ordem e fazem das passarelas palco de verdadeiros espetáculos, aproximando a moda da arte performática.
Enquanto muitos discutem se moda é arte, alguns estilistas vêm pulverizando seus talentos em outras searas. Para essas mentes criativas, a moda não se esgota em si mesma. Exemplo disso é o badalado estilista Tom Ford, conhecido por reinventar a poderosa grife italiana Gucci. Em seu filme de estréia como diretor,uma adaptação do livro de Christopher Isherwood publicado em 64, Tom Ford reserva à moda um papel secundário. Mesmo em sua beleza tirânica de cuidadosos enquadramentos, apuradas combinações de cores, sequências de cenas plasticamente impecáveis, não fazem do filme dirigido por Ford um belo editorial de moda. Segundo ele, moda é um esforço criativo mais comercial, "O filme foi meu primeiro trabalho como pura forma de expressão", conclui Ford.
Limitados pelo tempo paradoxal da indústria da moda, onde tudo é fugaz, volátil e efêmero, alguns criadores subvertem a ordem e fazem das passarelas palco de verdadeiros espetáculos, aproximando a moda da arte performática.

After Words, 2000 Foto Chris Moore
//A Subversão de Chalayan

Plenamente estabelecido na vanguarda da moda contemporânea, o duas vezes nomeado " British Designer of the Year, Hussein Chalayan, estilista turco-cipriota, é conhecido por seu uso inovador de materiais, atitudes progressistas e crítica social. Usando a moda como forma de expressão, Chalayan é um dos mais inovadores, experimentais e conceituais designers de moda da atualidade.
Em seus desfiles performáticos, Chalayan subverte a ordem apresentando coleções onde o resultado final é menos importante que o conceito inicial que o gerou. Os questionamentos do designer são o ponto de partida para pensar suas criações.


After Words 2000 Fotos Chris Moore
 
Quando a situação alarmante de Kosovo atravessou as fronteiras em 1999, Chalayan apresentou a coleção Afterwords, uma reflexão sobre a problemática dos refugiados e sua situação nômade que explorava o conceito do "wearable". Em sua arquitetura vestível, Chalayan transformou móveis em peças de vestuário. Em um cenário totalmente branco, recriou uma sala de estilo modernista onde cadeiras e mesas se transformavam em saias e vestidos deixando a sala despida e sem vida ao final da performance. Repleta de intencionalidade e conceito, as criações do designer são exercícios de técnica e experimentação.

  //O Gênio Contestador

Exemplo emblemático desta convergência entre arte e moda é a obra do estilista britânico Alexander McQueen, morto em fevereiro de 2010. Inconformista, McQueen representava a contestação de toda uma geração. Convidado em 96 por Bernard Arnault, presidente do conglomerado LVMH, para asumir a direção criativa da Maison Givenchy, rompeu em 2001 alegando que a empresa "constrangia sua criatividade". Autobiográfico, McQueen era um grando criador de imagens. Conhecido por sua maestria técnica, o estilista evocava constantemente a relação arte/moda em seus audaciosos desfiles-conceito.


The Horn of Plenty 2009/2010 Corbis

Sua última coleção para o outono/inverno 2009, é a mostra da sua natureza contemporânea. Intitulada "The Horn of Plenty", McQueen transformou objetos comuns em acessórios prodigiosos, numa poesia a reciclagem e a reutilização. O gênio da contestação criticava os padrões de beleza preestabelecidos pela indústria da moda.
Um belo exemplo disso são as imagens criadas por ele na performance de "Plato´s Atlantis" - desfile da coleção verão 2010. Plato´s foi uma sucessão de imagens surreais sobre a evolução humana vista através dos olhos de McQueen.Com maquiagem pesada, as modelos apresentaram a coleção com próteses no rosto numa alusão as brânquias dos peixes. Com pele de cobra e cabelos trançados até formarem chifres, as beldades carregavam vestidos subaquáticos e sapatos com saltos altíssimos em forma de garra. Nesta performance, McQueen utilizou o poder transformador da moda para lembrar a necessidade da adaptação humana as novas condições ambientais.

 // A Poesia de Jum 
Neste time de peso onde o conceito da moda vai muito além do simples ato do vestir, está o brasileiro Jum Nakao. Jum é desses estilistas que pouco diferenciam a moda da arte.Para ele segmentar arte e moda é coisa do passado. "Vivemos um momento de profundas transformações e incertezas. A ciência e a tecnologia aceleraram o rompimento de fronteiras e liquidificaram velhos paradigmas. Tudo se tornou possível e acessível", declarou Jum numa entrevista que gentilmente cedeu à Revista Trigger.
A Costura do Invisível Foto Fernando Louza 
Talvez o termo estilista seja restrito para qualificá-lo. Em sua dimensão interdisciplinar, Jum extravasa os domínios da moda. A singularidade de seu trabalho lhe permite expressar questionamentos em busca de um espaço próprio. "As coisas não são feitas apenas de contorno", disee certa vez. Em sua busca incessante para acrescentar conteúdo à forma, Jum se despediu das passarelas com um desfile que ficou eternizado na memória de quem viu. Delicadas roupas feitas de papel vegetal cortadas a laser e inspiradas na estética renascentista do século XIX foram rasgadas ao final do desfile intitulado "A Costura do Invisível". Para Jum só se é possível preencher de conteúdo e intencionalidade o que as mãos são capazes de produzir, lapidando a alma de quem faz. Tornando o pensar crítico uma constante, Jum partiu em busca de uma produção mais "humana". Nesta trajetória vem ensinando técnicas e formas de criação em comunidades carentes Brasil a fora.
Com a preocupação de promover a inserção destas comunidades no mercado e valorizar a cultura local, o designer concebeu a luminária Cocar feita de resíduos descartados por indústrias moveleiras e desenvolvida por cooperativas de artesão do Norte e Nordeste. Este trabalho que pôde ser visto na mostra paralela ao 48º Salão Internacional de Milão na Zona Tortona em 2009, é apenas uma das vertentes criativas de Jum. Anteriormente seu talento já havia lhe rendido um convite para criar o figurino da minissérie "Hoje é Dia de Maria", exibida em 2005 pela TV Globo.
Entre tantos e diversificados projetos nos quais está envolvido, a preocupação com o processo criativo é uma constante."Sem novos processos não há inovação, ocorre simplesmente à reiteração de lógicas desgastadas e resultados conhecidos" disse a Trigger. Para ele o processo criativo gera riscos, e sem assumí-los, não há aprendizado, não há evolução. Se apropriando dos meios de comunicação que dispõe para questionar, Jum expressa seu descontentamento com a indútria da moda. "A moda ficou muito vazia, muito comercial." Talvez tenha sido este o recado que quis nos deixar nas entrelinhas de sua "Costura do Invisível".
Ao pasteurizar as imagens de suas modelos com collants pretos e cabeças de playmobil, o universo lúdico de Jum se revelava, como se quisesse nos dizer que neste universo volátil é necessário bem mais do que imagens plasticamentes bonitas para existir. Belíssimos corsets, crinolinas, pelerines e golas vitorianas feitas de papel foram rasgadas num manifesto contra a efemeridade da moda.
Na contramão da desconstrução de "A Costura do Invisível", Jum retornou a São Paulo Fashion Week desta vez para construir. Um espaço cultural e interativo foi sendo "vestido" durante os seis dias de desfiles da semana de moda de verão do ano passado. Em uma performance contínua, o botequim disposto entre duas arquibancadas, numa alusão a uma sala de desfiles, pouco a pouco foi sendo coberto por pequenos hexágonos de algodão branco, transformando o que antes era um botequim de cores vívidas e objetos dispostos indisciplinadamente, em um espaço que de tão branco se tornou asséptico.
Quando perguntado se moda é arte, Jum dispara: "A experiência artística pressupõe diálogo e troca entre as partes - obra e observador. Sem que ocorra este fluxo e alteração de estados, a arte não existe." E alguém duvida, de que o que faz Jum Nakao é pura arte?